Um belo dia resolvi tentar cuidar de plantas. O calor da minha casa é quase insuportável, faz a pressão arterial mais alta do mundo despencar. Não há lage. Não há árvores. E sim, temos um vulcão na cidade. Inativo ou morto, não sei como se nomeia, mas o imagino cuspindo ondas fantasmagóricas de calor. Uma assombração quente se distribuindo por todas as avenidas e bairros.
Faço promessas silenciosas para quando o calor excessivo passar. Vou escrever isso e aquilo, estudar isso, vou resolver tal coisa. Delego uma série de tarefas para o suposto dia de conforto térmico, cheia de dúvidas se chegará. Me questiono se me tornei a paciente do DSM do futuro: ansiedade e estresse climático - um estudo de caso. O calor resseca minha boca, meus movimentos, minhas palavras. Não marco nada. Espero não ser solicitada. Sinto saudades do café à tarde e aproveito a temperatura amena das manhãs para realizar as tarefas cotidianas básicas. Pesquiso no google cidades que ainda têm as quatro estações para conseguir imaginar um futuro.
Buscando a próxima leitura, corro atrás de histórias ambientadas na neve na esperança de sentir o frescor em suas páginas. Frio o bastante pra nevar? Não sei… Leio Os corpos no Everest, que apesar de trágico me conforta com os corpos mortos e montanhas geladas. Entro numa toca de coelho. Assisto à entrevista maravilhosa da Tamara Klink e sua aventura gelada no Ártico. Também desejo invernar, mas não sobreviveria.
Por agora só posso me aventurar a cuidar de plantas. Observar como elas vivem, crescem. Torcer para a Beth e os gatos da vizinhança não usarem as plantas como sanitário.
Nunca consegui cuidar de plantas. Deixava o cacto mais resistente morrer de sede. Mas depois de tanto calor, resolvi que chegara o momento de reflorestar a casa. Ganhei algumas mudas da minha mãe e da minha sogra. Comprei mais algumas plantas e voilá, tornei-me uma cuidadora de plantas.
Algumas têm nome. Solange é a mais bonita. É o nome da minha tia, que também é muito bonita. Então achei apropriado fazer essa homenagem.
A planta Solange
Por aqui eu tenho a mania de nomear coisas que muitas vezes têm nomes genéricos. Por exemplo, as mulheres da minha família tem um pêlo que nasce no mesmo e infeliz lugar - no queixo. Como as bruxas dos contos de fadas. Eu também já tenho. É filha única. Um único pêlo. Eu chamo de Cláudia.
Cada vez que Cláudia nasce, coitada, eu venho com a pinça e arranco. Não gosto dela.
Obs: eu sei que a palavra pêlo não tem mais acento circunflexo depois do novo acordo ortográfico. Mas eu prefiro usar o acento, tudo bem? Tipo chamar o twitter de twitter e não de X.
Na volta da terapia da Kalindi passamos por um horto, que mais parece um santuário. Uma paisagem verde em absoluto, destoando do cinza metálico que é Nova Iguaçu. Ao entrar sentimos a mudança de temperatura e a gentileza das plantas de espalhar seu frescor. Passeamos calmamente e escolhemos as próximas futuras habitantes da nossa casa. É gostoso dividir isso com minha filha.
A hora de molhá-las se tornou uma espécie de meditação. Enquanto rego os vasos, observo o crescimento das plantas, minha cabeça esvazia, tudo ao redor desaparece e nada é mais importante. Imagino o dia em que vou conseguir transformar minha varanda numa espécie de floresta, como a casa da minha sogra que tem sombra e acerola. A lança de são jorge está gordinha.
Depois fiquei pensando nas plantas que matei. Esquecer de regá-las é um sinal que nossa vida está no automático (ou a minha).
O ritual de cuidar das plantas é também um jeito delicado de cuidar de si. Na verdade, tenho refletido muito sobre isso: cuidar de mim. Reflorestar o que foi destruído.
No mais, por aqui os dias estão mais frescos e meu estado de espírito mudou radicalmente. Impressionante como não vejo a discussão sobre estresse climático rolando com mais seriedade. Vários dias me questionei o porquê do meu corpo não aguentar o calor. Me senti fraca e fresca. Mas sei que não é frescura. Imagina tomar um banho quente no calor às 21h? A caixa d’água fica cozinhando o dia inteiro no telhado e nem a sombra da noite é capaz de amorná-la. E a vizinha canta louvor o dia todo. O vento do ventilador parece o sopro de 666 demônios. Não há o que fazer.
E já que não tenho o poder de controlar o clima, então como conseguir executar as tarefas mais elementares no calor sem ser uma reclamona? Quando vamos discutir políticas públicas de resfriamento das cidades?
❤ Perder, de Surina Mariana. Mais um texto lindo da Surina. Uma das coisas mágicas do Substack é que nos conectamos com pessoas que não conhecemos, mas, de alguma maneira, nos tornamos íntimas sem que a outra parte saiba.
✨ O feminismo não errou, de Lorena Portela. Muitas vezes me sinto chata com o meu feminismo. Incomodada com várias situações estressantes que nós, mulheres, passamos. Ler esse texto me lembrou que eu não sou chata, é uma raiva justificada.
🎙 Sueli Carneiro e Neca Setubal, podcast o Fio da Meada. Taí uma amizade que não imaginaria.
🙃 Quebrada em pedaços perfeitamente funcionais, de Tatiane. Me vi nesse texto e no excesso de autoproteção.
🎶 The Charming Man, The Smiths. No domingo esbarrei com essa música e lembrei de uma época muito boa: meus 17 anos indo para Belo Horizonte de ônibus, sozinha, com meu diskman. Como fui feliz! Obrigada aos envolvidos por esta época tão gostosa! Boas companhias, o bar A Obra, o show tributo ao Tim Maia Racional - que foi maravilhoso!
O céu de outono, lindo! Às 05:54 do dia 24/03/2025. Nova Iguaçu tem um céu muito bonito! De verdade! A Via Light no entardecer parece um filme.
Passando para dizer que também prefiro ‘pêlo’.
Obrigada pela edição e beijos para a planta Solange!
Amiga, me peguei um dia desses conversando com as plantas. E eu ri, porque lembrei de todo mundo que eu via fazendo isso e julgava. É bom demais bater papo com a gente mesmo por intermédio das plantas. São umas boas ouvintes, além de refrescar e desacelerar a vjda.
Amei o texto.
Um beijo!!