Onde foram parar as conversas interessantes?
Quem tem tempo para a literatura e o filosofar sincero?
Tentei escrever esse texto várias vezes sob perspectivas diferentes. O objetivo é um só: falar sobre momentos onde as coisas simples parecem não surpreender mais. Quando o mundo fica um tanto desinteressante e, ao mesmo tempo, buscamos fazer coisas diferentes para ver se um coelho ou um mamute, finalmente, sai da cartola.
Confesso que bateu medo de ser elitista, mas, sem querer, esbarrei com essa interrogação em plataformas diferentes: no twitter e no Substack gringo. Pimba, vou tentar colocar no papel. Até porque sou flexível com as categorias que eu mesma crio.
No Twitter, a moça twittou assim:
A minha questão não é essa, sinceramente. Consigo conviver com os incompatíveis. Qualquer pessoa que tenha um emprego vai precisar dominar essa habilidade. Inclusive, tive momentos interessantes com os incompatíveis e sei que é improvável que eu me torne uma delas. Quando sabemos quem somos essa lógica não amedronta.
O problema é quando incompatível ocupa muito espaço… Aí bate uma solidão com a ausência de interlocutores que se interesse pelo seu singular.
No Substack, Henrik Karlsson chegou no cerne e me deu respostas. Recomendo a leitura.
Onde foram parar as conversas interessantes?
Na realidade, estou com saudades de boas conversas. Saudades de diálogos que não sejam as demandas corriqueiras do dia a dia: como falar de trabalho, vizinho chato, malcriação das crianças, preço do azeite e tantas outras migalhas cotidianas que vão empoeirando nossa mente e deixando pouco espaço para o contemplativo, o complexo, o estupor.
Estou terminando de ler Crime e Castigo. Falei neste outro texto sobre ter dado conta que não conhecia nada de literatura russa. Corri atrás do prejuízo: li a Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói e agora na reta final de Dostoiévski. Daí veio uma vontade imensa de discutir com a alguém a ideia de Ráskólnikov de categorizar as pessoas como ordinárias e extraordinárias: as obedientes e conservadoras por natureza e os que desafiam a lei por sua alta capacidade de destruir o presente a fim de construir o suposto futuro melhor.
Alguém se habilita?
Outro ponto que achei curioso foi a obsessão de Ráskólnikov com Napoleão. Na época do mestrado, em que pesquisei documentos clínicos do Hospício de Pedro II, não era incomum encontrar nas anamneses pacientes que acreditavam ser o Napoleão.
Todo delírio de grandeza me faz dar uns passos para trás. Quem seria o Napoleão de Napoleão?
Os personagens de Crime e Castigo são ambíguos e o contexto da pobreza explica muita coisa. O inferno não tem limites. Porfíri Petróvitch, tão logo entrou na história, me provocou asco. E beirando o final do livro, o personagem me surpreendeu com uma filosofia barata, que eu também me sirvo nos momentos que tudo parece desmoronar.
Me refiro ao momento em que ele conversa com Ráskolnikov ciente da sua condição de assassino e diz:
Sei que não acredita, mas deixe de filosofar: entregue-se logo à vida, sem raciocinar à toa, e não se perturbe - alcançará por si só uma costa e ficará lá de pé. Que costa será essa? Não sei.
Só não há costa quando estamos mortos. Na minha filosofia barata (que nunca compartilhei com ninguém) eu chamo a costa de faixa de areia. Meu corpo, em alguns momentos, parece um barco. Às vezes ele fica à deriva, outras naufraga. Mas eu sei que tem uma faixa de areia. Em algum lugar que eu olhar, sei que chegarei nesse pedacinho de terra, que não importando o tamanho, é o espaço da minha salvação, do respiro, do alívio. Saber que há essa costa ou faixa de areia me resgata da desilusão. A gente sempre volta a ficar de pé.
Enfim… divagações a parte, me peguei pensando com quem eu poderia compartilhar com entusiasmo essa leitura tão interessante. Saudades de diálogos que não sejam as demandas corriqueiras do dia a dia ou conversas inflamadas para sabermos quem tem ou não razão (talvez ninguém tenha).
Como eu sou uma pessoa que se interessa por um monte de coisas e se entretém com quase todo tipo de história, não é difícil estabelecer uma troca legal e significativa com as pessoas. A questão que vem martelando é o que fazer com as minhas idiossincrasias que pouco interessa aos outros.
Talvez a resposta seja essa newsletter, como o espaço possível para destrinchar as complexidades e os absurdos pouco palatáveis numa mesa de bar.

Cheguei na marca de 100 assinantes! <3 Gostaria de agradecer a companhia de vocês! Quando criei essa newsletter, não sabia o que estava fazendo. Cai de paraquedas e posso dizer que aqui é o meu paraíso na internet. Muito obrigada!
O que encontrei de interessante por ai…
Dar nome as coisas, de Cândida Schaedler.
Nova geração de curadores online, The New Yorker.
Por trás da mentira, Vibes em análise.
Quando acaba a viagem do imigrante, Beatriz Veloso.
(Voltei a este texto por sugestão de um Substack de um brasileiro com nome gringo)
Falando sério agora, leia "Cérebro leitor" (de 2007, mas traduzido em 2024) e "Cérebro no mundo digital" (2020) de Maryanne Wolf. A leitura profunda, aquela que engaja e cria algo em nós, que, por conseguinte, alimenta "conversas interessantes" segue numa marcha de raridade que beira a animal ameaçado de extinção. Diz a autora que esse tipo de leitura pode não se desenvolver em cérebros treinados no ritmo acelerado do digital. Uma vez que pensamos segundo a polifonia discursiva na qual estamos imersos, se essa imersão é só mero contato episódico, sem mergulho, ficamos sem ter o que dizer.
Entendo seu sentimento de estar em busca de boas conversas e também comecei a escrever para falar de temas sobre os quais eu não tinha uma pessoa que quisesse ouvir. Se alguém lê meus textos, até que sim. Existe interação com eles? Baixa,mas vejo como um processo. E também como um processo catártico. Como se eu tivesse um espaço onde posso falar sozinha com as paredes da internet.