Mal-estar no WhatsApp
Ou como o WhatsApp parece um churrasco com o pessoal da firma, a família e os vizinhos, tudo junto misturado
Freud escreveu um pequeno e grandioso livro chamado Mal-estar na civilização. Eu, na minha insignificância e com constantes críticas às redes sociais, tô lançando esse diminuto desabafo, porque ando sem paciência para WhatsApp. Prefiro ligações, sinceramente, já que as conversas têm início, meio e fim. Resolução e praticidade.
É possível viver sem WhatsApp? Como são as pessoas sem um aplicativo mensageiro? Isoladas? Solitárias? Ou em paz? Imagino que a sensação deva ser essa…
Pessoas que não usam o WhatsApp são mais felizes e integradas ao mundo real. Elas acariciam tigres e coalas.
O esqueleto desse texto estava há algumas semanas parado nos meus rascunhos e só tomei fôlego para escrevê-lo depois de ler No, I’m not always available - Não, nem sempre estou disponível, que pontua exatamente o que eu penso sobre a presença 24/7. Então vamos lá!
É possível fazer um detox ou mesmo excluir permanentemente o Instagram, o Twitter, o Pinterest (coitado, não faz mal a ninguém), o Substack, o TikTok, e por aí vai. Mas é praticamente impossível existir no Brasil contemporâneo sem WhatsApp.
Bem-vindo ao aplicativo da cultura “sempre disponível”, onde você se comunica com seu chefe, sua mãe, seu encanador, seu médico, seus vizinhos e seus clientes, tudo ao mesmo tempo.
Sou péssima para responder no WhatsApp, e agora?
(demore o tempo que precisar)
Sim, eu sou péssima para responder mensagens no WhatsApp e levo dias para responder, exceto demandas de trabalho, é claro. Não consigo estar instantaneamente acessível e nem quero. O WhatsApp funciona 24h, 7 dias na semana, mas eu não funciono dessa maneira. E não vou negar que sinto saudades quando podíamos “sair da internet”. Desconectar e seguir a vida. Como disse a Freya, não podemos nem mais dar um “tchau”, já que estamos sempre por aqui.
Eu tirei todos os recursos que sinalizam minha presença: o check azul, visto por último, online. Não acho normal e natural o estado de vigilância que vivemos com esses aplicativos e menos ainda as cobranças para que você retorne o mais rápido possível. Humanamente não dá.
Um pequeno causo: meus alunos (adolescentes) usam um aplicativo chamado 360, um rastreador que monitora em tempo real a localização dos amigos e eles acham isso super ok e divertido.
Em qual momento fizemos do WhatsApp tão imprescindível? Como esse modelo de comunicação impõe novas regras de interação social?
Não é novidade que os recursos como “visto por último”, “online” ou “lido” geram uma ansiedade em quem está aguardando uma resposta. Além de gerar expectativas, estimular a impaciência e o estresse; O ideal é desativar tudo isso.
O WhatsApp tem uma dinâmica de comunicação que não me agrada. Por exemplo, quando alguém me coloca em um grupo me sinto sequestrada. Como se estivesse sendo empurrada para um lugar onde eu não queria ir e logo me sinto uma prisioneira
matutando formas de escapar.Existe um limite de interação digital e é desgastante dar conta de tantas conversas, então sempre ficam algumas no vácuo - sem querer. Minha prioridade é sempre dar atenção para o corpo que está fisicamente próximo, mas me sinto culpada e mal educada quando interrompo uma conversa no Zap do nada, sem conseguir ao menos explicar ao meu interlocutor.
Não há controle sobre quem pode contatá-lo e quando.
Ninguém é OBRIGADO a participar das redes sociais, a ter um WhatsApp ou um smartphone. Mas, na medida em que a comunicação não apenas do trabalho e sim de TODAS as sociabilidades existentes são mediadas por um aplicativo, o uso torna-se compulsório. E não participar seria se alienar, quebrar um pacto social, virar as costas para o mundo, o que definitivamente não é minha intenção.
Se todo nosso cotidiano é mediado pelo WhatsApp, é inviável ser funcional sem ele. Comunicações da escola da minha filha, trabalho, prestadores de serviço, enfim, um emaranhado difícil de abrir mão. Nem marcar consultas com médicos consigo via telefone, é tudo pelo WhatsApp.
Enquanto minha vontade é simplesmente deletar o aplicativo e viver como se ele não existisse.
WhatsApp e as interações de baixa qualidade
Se esperam que eu esteja sempre disponível e responda instantaneamente, não há tempo para pensar no que quero dizer. Às vezes, quero levar meu tempo! Não quero discutir por mensagem! Ou flertar pelo Instagram! Talvez eu não esteja ignorando você, talvez eu ache que vale a pena esperar até que eu tenha tempo de dar uma resposta adequada. Parece que alguns jovens têm essa ideia insana agora de que uma boa amizade é aquela em comunicação constante, que deve ser uma conversa sem fim, como um feed do TikTok sem fim, mesmo que vocês estejam apenas enviando Snapstreaks em branco e memes idiotas um para o outro. Se isso é amizade, não é de se admirar que nenhum de nós tenha tempo para isso. Não é de se admirar que estejamos saindo menos. Estamos cansados um do outro! Como você pode apreciar alguém completamente se nunca tem a chance de sentir falta dele ou se perguntar o que ele está fazendo? Não há mais nada de especial em manter contato , nós o matamos. Tiramos todo o sentimento disso. Quando estamos sempre acessíveis, não existe algo como realmente tentar nos alcançar.
Estamos tornando suficientes conversas superficiais e rotineiras. Um termômetro atual muito arbitrário é associar a amizade ao envio de um milhão de memes e reels. Tipo estou lembrando de você. Como se isso bastasse para “manter” um contato, uma amizade de pé. Se você é meu amigo me chama para jogar conversa fora e tomar uma cerveja no sábado e não entupir as dms de conteúdo. Eu não aguento mais tanto “conteúdo”. Que os gatinhos fofos do reels me perdoem.
Quanto mais tempo eu fico com telefone na mão, maior a sensação de tempo gasto inutilmente.
A nossa troca comunicativa está baixíssima, porque não é possível profundidade num esquema de instantaneidade. Por exemplo, se eu não estou num dia ou numa semana legal e um amigo me pergunta como estou via WhatsApp, é inviável explicar ou traduzir o que está acontecendo por mensagem. Então respondo “tudo caminhando”, porque não dá para explicar os obstáculos da caminhada por mensagem, e a conversa se encerra. Por isso, minha percepção é que as interações digitais são superficiais e de baixa qualidade.
Eu prefiro mil vezes combinar uma cerveja com um amigo e conversar (ainda que seja uma vez por ano) do que ficar em looping trocando diálogos curtos intermináveis com pouco contexto. Cada dia estou mais comprometida em usar meu tempo na vida real e com o que faz sentido pra mim.
O único prazer que tenho com o WhatsApp é um grupo pequeno de amigas aqui do Substack. Nos conhecemos aqui na plataforma, marcamos um zoom que se desdobrou em um grupo. Estamos geograficamente distantes e usamos de maneira leve, sem cobranças e sem culpa. E infelizmente o único espaço possível que podemos reivindicar como nosso é o virtual. Mas tenho certeza que se estivéssemos próximas nossas trocas aconteceriam presencialmente.
Como exceção não explica a regra, seguirei falando mal do WhatsApp. Fico imaginando que se não tivéssemos entrelaçado nossas vidas profissionais ao aplicativo, seria muito mais fácil ignorá-lo. A instantaneidade das mensagens imprimem nas pessoas um senso de urgência que é impossível gerir de maneira saudável.
Não quero parecer uma ludista, mas é preciso, pelo menos, convencionalizar boas práticas de uso do WhatsApp. Por que não criamos um manual para minimizar os ruídos? Proponho começarmos uma cartilha e vocês deem suas colaborações nos comentários.
Manual de boas práticas do WhatsApp
Não coloque alguém em grupos, sem antes perguntar se a pessoa deseja fazer parte;
Grupos de trabalho, somente mensagens de trabalho;
Pare de achar que a pessoa precisa te responder na mesma hora. Ela pode estar ocupada ou não quer conversar.
Não deixe alguém no vácuo perpetuamente;
Áudios longos no WhatsApp só com relações mais íntimas. E sem pressão para ouvir instantaneamente;
Ligação de vídeo somente se for combinado;
Em período de campanha eleitoral, não peça votos, pelo amor de deus. Não é uma mensagem de texto que vai me convencer a votar no seu candidato, ao contrário. Vou detestar ele.
Na medida do possível vamos buscar um ao outro em carne e osso, e deixar o WhatsApp para burocracias e diálogos que realmente o corpo a corpo é inviável. Sugiro mudarmos o status por lá: Olá! Nem sempre estou usando o WhatsApp. Tenha paciência. Se for urgente, ligue 190.
Perfil não sente calor, Flora Naive;
WhatsApp e bem-estar: um estudo sobre uso do WhatsApp, qualidade da comunicação e estresse. Um estudo acadêmico que prova A + B todas as minhas queixas;
Miss Antropoceno, Anny Castro;
Pago 100 dólares para você ler um livro, Pinga com limones;
Larguei “A obrigação de ser genial” pelo “Léxico familiar”. Confesso que estou um pouco cansada de ler sobre escrita. Deixei para outro momento.
Nunca tinha lido nada da Natalia Ginzburg e estou gostando demais!
O próximo da fila é “O processo”, de Kafka que ganhei da minha mãe.
Zap, o que funcionou para mim:
- Tirei todas notificações
- Tirei aqueles visto por ultimo etc
- Respondo quando puder
- Grupos, se me colocaram eu respondo apenas se me marcarem ou quanto estou afim
- Sempre respondo, mas no meu tempo, se a pessoa quer algo imediato me ligue (não vou atender hehhe)
Eu tenho um ranço enorme do WhatsApp. Concordo totalmente com a superficialidade e a baixa qualidade das interações. Parece que basta mandar um "e aí, tudo certo?" e ninguém precisa se encontrar, sentar, conversar. Tirando os grupos do trabalho, mantenho tudo silenciado, e só respondo alguém na hora se for algo realmente urgente. 🙄
Ótimo texto, Rai! 👏🏼