Quatro mil semanas: gestão de tempo para mortais
A sorte quando você compra um livro achando que é uma coisa, mas é outra bem melhor.
Terminei de ler “Quatro mil semanas: gestão de tempo para mortais”, de Oliver Bukerman. O título é uma isca. Você acha que a leitura vai te entregar algumas ferramentas sensatas para fazer um uso otimizado do tempo, mas o que encontra é diferente. Praticamente um tratado filosófico para aprendermos a encarar a finitude da vida. Não há como fazer tudo. Não há como experimentar tudo. Não há como viver tudo. Precisamos renunciar a algumas coisas. Encarar a realidade. Fazer escolhas mais sensatas. “Perder é o que faz nossas escolhas serem mais significativas”.
Foi uma leitura que me proporcionou muitos insights e alguns quero compartilhar aqui com vocês.
Sou uma pessoa que protege muito a soberania do próprio tempo. Posso dizer que sou controladora. Se eu coloco na minha agenda que preciso ir ao médico, a academia, estudar, preencher um diário de módulo e algo não pode ser realizado por motivos exteriores, eu fico irritada. Não gosto de surpresas (team Déia), não quero ser surpreendida. Para mim, surpresa tem cheiro de bagunça, às vezes, desastre. But, convenhamos, poucas coisas estão no nosso controle. Quase nada, para ser sincera. Mas nos iludir acreditando que estamos no comando dos acontecimentos é reconfortante.
Burkeman começa esmiuçando a relação da humanidade com o tempo. Lembrando como a Revolução Industrial colaborou para o compreendermos como recurso negociável, uma coisa a ser usada e vendida. E não mais como o tal “tecido de vida”. O autor se aproxima da ideia Heideggeriana, onde o tempo é da ordem existencial e não cronológica, estruturado no próprio ser e não algo exterior ou descolado dele.
A longo prazo, estaremos todos mortos
Temos dificuldades de lidar com nossa própria finitude. Aceitar que não há tempo disponível para todas as experiências e planos que imaginamos e construímos. Controlar o tempo é uma ilusão. Entupir agenda e performar o workaholic só é benéfico para o sistema (que não está nem aí para a nossa existência).
Nossos compromissos precisam fazer sentido e ter significado para nós. Mas para isso, é preciso uma tomada de consciência. Sair do piloto automático.
O autor não faz campanha para deixarmos tudo pra lá e abandonarmos projetos de longo prazo, nada disso, mas nos orienta a focar no tempo presente - o único que temos/somos. Há uma proximidade com a filosofia budista, o que particularmente muito me agrada.
Daqui pra frente, vou listar alguns tópicos do livro que dão pano para manga.
Produtividade é uma armadilha.
Não faz sentido correr para ter tudo completado. Sempre haverá novas demandas. O ideal é viver o tempo profundo. Tempo não é um recurso que usamos. Tempo é a nossa vida se desenrolando. Passar a existência se apoiando em algum benefício ulterior não traz paz de espírito, nem realização pessoal. Mergulhar na vividez da realidade, sim. Entender que não estamos no controle.
Produtividade sustentada a longo prazo, lenta, foco profundo e paciente, pode ser uma forma mais significativa de seguir adiante com projetos, do que abarrotar milhares de atividades que não serão realizadas e serão fontes inesgotáveis de estresse. Vamos escolher com racionalidade as petecas que irão cair, as pessoas que vamos desapontar e os papéis a fracassar. E se sentir em paz com isso.
“A pressa é universal porque todo mundo está fugindo de si mesmo.”
Quanto mais eficiente, mais você se tornará um reservatório ilimitado das expectativas de outras pessoas.
O mercado de trabalho nos confirma essa hipótese. Quantas vezes não absorvemos demandas que não eram nossas por nossa incrível eficiência? Mas pensando que as contas pagas me inebria de paz de espírito, prefiro ser a eficiente, sobrecarregada, mas com trabalho.
Terapia da insignificância cósmica.
Em tempos onde todos são muito protagonistas, querem ser vistos, reconhecidos e aplaudidos, nada mais reconfortante do que a teoria da insignificância cósmica: nossa vida não é tão significativa como tendemos a acreditar que é. Quase ninguém vai deixar sua marca no universo. A história dos relés mortais desaparece mais rápido do que supomos. O cosmos continua indiferente, calmo e impertubável.
À primeira vista pode soar uma teoria pessimista. A gente sempre espera o melhor da nossa vã existência e não há nada de errado nisso, só temos essa. Mas, que sensação de alívio! É como tirar um fardo das costas. Contemplar a “enorme indiferença do universo” e viver da melhor forma possível, sem grandes ansiedades e delírios.
Entre suposições e fantasias, eu sempre prefiro a realidade. Pensando nesta perspectiva da insignificância cósmica, os problemas se tornam quase irrelevantes e inevitáveis. Se não for um, vem outro e precisamos lidar com eles de todo modo.
Fiquei pensando na vida como uma grande e frondosa floresta, com suas belezas e obstáculos. E não há nenhuma outra maneira que não seja seguir floresta adentro. Aparecerá uma jararaca? Uma cachoeira? Só vamos saber colocando um pé na frente do outro.
Das dicas práticas:
Reservar um tempo pra você;
Limitar o número de trabalhos em andamento;
Banir o mau hábito de manter um número sempre crescente de projetos semifinalizados em banho-maria;
Aprender a dizer não a coisas que você sim quer fazer, reconhecendo que tem apenas uma vida;
Adotar uma abordagem de “volume fixo” de produtividade;
Não vou negar que quando comprei o livro imaginei que ele pudesse me fornecer ferramentas para ser mais resolutiva, prática, rápida e o que recebi foi ao contrário disso. E fiquei muito feliz! Fui mastigando lentamente suas ideias e percebendo como normalizamos a loucura do mundo. Nos machucamos para funcionar como máquina e não ganhamos absolutamente nada com isso. Terminei a leitura muito cônscia do meu tempo, quiçá desperta e disposta a viver a melhor vida possível.
E vocês, começaram o ano com qual livro?
Comecei “A biblioteca no fim do mundo: um leitor em seu tempo”, do Rodrigo Casarin. A leitura tem sido deliciosa e muito apropriada para o meu momento de férias. Escreverei sobre em breve!
Outro dia, conversando com minha psicóloga, concluímos que é possível desistir de quase tudo, a qualquer momento, e isso é libertador, em termos de gestão do tempo e da vida. Adorei o trecho: "Vamos escolher com racionalidade as petecas que irão cair, as pessoas que vamos desapontar e os papéis a fracassar. E se sentir em paz com isso". Um abraço!
tenho tentado ser mais generoso comigo e com o meu tempo, entulhando menos a agenda de tarefas e cumprir e deixando mais espaços livres. gera bem menos angústia ter uma lista menos numerosa a cumprir. e tem sido maravilhoso exercer o poder do não: não quero, não preciso, não vou, não farei…
o livro do rodrigo é maravilhoso! uma ótima leitura para férias.
e obrigado pela indicação! 😊