Por um funeral com Frango, quiabo e angu
Um dia a gente está aqui e no outro pode não estar. Minha cabeça está assombrada pela morte. O falecimento do meu tio me fez olhar para minha própria finitude. Na roleta do destino, fui presenteada com um rim policístico. Minha família materna não é tão boa para fabricar rins. E eu fui contemplada. Que sorte! kkkkkkrying 😭😭😭
Estou com a cabeça um tanto bloqueada. Os rascunhos estão no mesmo lugar: um sobre o livro Léxico Familiar, da Ginzburg, e outro intitulado Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia? Que ironia... Não consegui mexer nesses textos. E a realidade é que nem no meu caderno consegui escrever. Tá complicado dar contorno e sentido as coisas. E sendo uma pessoa muito estruturada na rotina, que se ilude com o controle das situações, tem sido difícil não conseguir fazer as atividades mais elementares do meu cotidiano e existir sabendo que nunca mais verei meu tio e que a morte faz parte da vida. Todo mundo morre, eu, você e o Elon Musk. Mas precisamos aprender a lidar com o luto para não entrar na tristeza profunda e infinita.
Lembro de um filme que vi mais dez vezes com minha filha: Viva, a vida é uma festa. Muito bonita a cultura mexicana de celebração. Se dependesse de mim, adotaria esses rituais, porque são mais alegres. Menos lágrimas e mais histórias do finado e com certeza algumas risadas. Imagina se no funeral tivesse uma panelada de frango com quiabo e angu, cerveja e coca geladinha, uma playlist com as músicas que o finado gostava…Com certeza, o processo seria menos doloroso. Mas como se muda uma cultura, né?
Falando em história do finado, meu tio certa vez foi tomar uma cerveja em Xerém e parou na casa do Zeca Pagodinho (!!!) E ele me presenteou com uma nota de um dólar que realmente me dá muita sorte! Nunca mais faltou a prata… A gatinha que eu tenho, Beth, nós a encontramos na rua juntos e ele me incentivou a adotá-la, prometeu que ia me dar as rações e nunca deu kkkkkkkkkkkkkkk Saudades! ❤
O texto que eu gostaria de escrever é sobre pertencimento, sobre dar um sentido significativo ao estar vivo. A ideia me veio após um post da contente. Tenho observado esse movimento de pessoas mergulhando em religiões, sobretudo neopetencostais. A sociedade moderna estimula a cultura self: “faça você mesmo tudo, tenha prazer só, saia só, cuide de você mesmo sem depender de ninguém etc.” Estamos mais solitários com laços de pertencimento frágeis. Mas estou sem fôlego para escrever esse texto…quem sabe em outro momento.
No futuro texto sobre pertencimento, também quero falar sobre como é importante a gente pertencer a alguma coisa mesmo. Meu tio era do Narcóticos Anônimos e ele era muito amado pelos companheiros do grupo e, pelo o que ficou evidente no funeral, ele ajudou muitas pessoas. Fiquei muito emocionada com a oração da serenidade e as palavras que alguns amigos falaram. Pertencer é importante!
Desde que tudo aconteceu, não consegui escrever. Esqueci da terapia pela segunda vez. Guardei o desodorante na geladeira. Estou com a cabeça anuviada, como dizem os antigos. Mas precisava ao menos tentar. Não é a publicação da vida, mas foi terapêutico escrevê-la.
No mais, pessoal, paguem um Sinaf. É barato e torna as coisas mais fáceis. E deixem suas senhas em algum lugar. É chato, é triste, mas fazer o quê, né…
Seu corpo não é um templo, é um parque de diversões. Aproveite o passeio. {Anthony Bourdain} Sejamos felizes enquanto estamos vivos!
✨ Me sinto atrasado, de Rodrigo Padrini.
👻Onze razões pelas quais o México vive a morte como nenhum outro país, El País.
😁 A marca indelével da alegria, de Clarissa P.
Eu e meu tio no aniversário dele…
A memória é a forma da mente guardar o tempo, esse negócio estranho que passa rápido, escorre pelos dedos e não volta.
É por isso que registramos, que escrevemos, que gravamos. Não podemos fazer o tempo voltar, mas podemos segurá-lo, parado. Se ele não volta até nós, fazemos questão de revisitá-lo quantas vezes for possível.
Não a toa chamamos de imortais aquelas pessoas que viveram há muitos anos e estão há muitos mais eternizados em nossos registros. Vira e mexe esbarramos com algum deles na rua, no bar ou na sala de casa. Enquanto forem lembrados, estarão conosco. As pessoas só morrem quando são esquecidas, e quem deixa marcas neste mundo, nunca sai dele de verdade.
Um brinde ao seu tio e a todos que nunca esqueceremos.
Bonito texto, Raisa, mesmo sendo, como você disse, o que foi possível escrever neste momento. Tenho pensado muito sobre essa coisa do pertencimento, de estar vinculado às pessoas, precisar e fazer diferença na vida delas. Sobre o famoso "viver uma vida bem vivida". Isso me parece uma cobrança e uma meta, ao mesmo tempo. Celebrar a vida no momento do luto é muito bonito. Obrigado pela indicação do texto!