Tem lugares que eu sinto um profundo desejo de fincar morada: um quadro do Van Gogh; o livro o Lobo da Estepe, de Herman Hesse (que li na juventude); Paris, porque sim; nas músicas de Patrick Watson; e na casinha rosa que tem próxima a minha casa. Por menor que seja o contato, meus sentidos são capturados, o mundo parece congelar por instantes quando nos cruzamos.
Escrevo numa noite fria. Depois de finalizar as demandas do dia, peguei meu livro, minha coberta e fui para cama. Que sensação maravilhosa esse silêncio, esse calor que a coberta faz e a sensação de paz. Vontade absurda de apertar o botão invisível pausar.
Enquanto leio, uma casa na rua de trás - da janela do meu quarto vejo tudo - tem uma festa. Vejo tudo, pois finalmente tenho um óculos. Enxergo detalhes que nunca tinha percebido desde que me mudei. Tem um quadro de jesus, maria e josé. Os convidados estão pouco espalhados e eu identifico o aniversariante rápido: ele tem uma alegria só dele, irradia tanto que chega aqui no meu quarto. Fico feliz só de observá-los.
Minha atenção fica ora no livro, ora na festa. São uns 10 jovens animados, que estão bebendo gin, jogando, dançando e escutando músicas que nunca ouvi na vida. Parece que estou lendo um line up de um festival hypado. Não conheço nada, só Marina Sena deste repertório.
Queria pausar esse instante. Morar nele. Poderia ser sempre assim: tempo fresco, livros, pessoas felizes. É gostoso e contagiante observar as pessoas felizes e estar em paz.
Pensando nos instantes que gostaria de ter congelado, lembrei da primeira vez em que fui à Bienal do Livro. Eu tinha 10 anos e voltei com o livro "Linéia no jardim de Monet", que conta a história de uma menina que vai descobrindo Paris, os impressionistas e, é claro, Monet. Reli muitas vezes esse livro durante minha infância analógica e tenho certeza que ele despertou meu interesse pelas artes e meu fascínio pela França (é clichê, eu sei). Fui paralisada por esse livrinho em muitos momentos da minha infância.
Quando fui a Paris tentei conhecer a casa do Monet, mas como era inverno estava fechado para visitação. Imaginem minha frustração. Mas, pelo menos, consegui ver as ninféias de perto no Musée de l'Orangerie. É de uma beleza monumental que jamais esqueceria. Nem se o alzheimer brotar na minha cabeça, essa lembrança vai me escapar - quase certeza.
Consegui conhecer muitas obras que habitavam o meu imaginário e, realmente, a possibilidade de observá-las tão de perto é mágico. Não sei se a palavra certa seria o observar, porque podemos fazer isso a distância mediada por telas. A proximidade com o objeto tem um grave de experimentação, algo vivo. Aquela tela à minha frente, um dia esteve à frente do Monet. Se o quadro falasse, imagine quantas histórias contaria.
E tem um quadro que eu gosto muito. Nunca vi o original de perto e nossa relação começou também na infância. Havia uma réplica que ficava pendurada na portaria do prédio da minha madrinha. E toda vez que eu passava por ele me imaginava entrando naquela obra e participando daquela cena: O Terraço do Café à noite, de Van Gogh. Minha alma boêmia lateja desde cedo. O mundo fica em suspenso toda vez que meus olhos cruzam com essa imagem. Ninguém usa o amarelo e o azul de forma tão latente quanto Van Gogh.
Eu queria sentar ali - as mesas vazias me diziam que havia espaço para mim - pedir uma bebida e olhar o céu estrelado e sentir o vento fresco. Eu poderia passar ali todas as terças-feiras e fazer o mesmo pedido ao senhor Pierre. Seria um ritual.
Não tem muito tempo que eu descobri que esse café existe e fica em Arles. Espero que todos os caminhos me levem de volta a França para que eu possa terminar de conhecer o que não tive tempo.
No mais, só gostaria de compartilhar com vocês esses momentos tão breves que parecem nos resgatar do corpo ou que nossa consciência se enche de presença, nã sei explicar.
E vocês, como sentem o mundo parar?
Das coisinhas que encontrei por ai:
Em defesa da lentidão, Ana Gabriela. Que delícia de texto. Leia num momento de vento fresco. Um bálsamo para minha afobação.
Influencers mentindo ou: mais um retrato do nosso tempo, Cristal Muniz.
Estou assistindo Somebody Feed Phil, na Netflix e tem sido uma delícia. Os olhos dele saltam quando prova algo saboroso. Ele é sensível e fofo, tô amando. Que vida gostosa deve ser essa de viajar, comer e ser pago por isso.
Tenho refletido muito sobre pausas ultimamente, sobre a importância de parar e sentir o que estamos vivendo naquele momento... Obrigada pelo texto, é bom demais se reconhecer em pessoas passando pelas mesmas coisas!
Eu tinha o livro Lineia no Jardim de Monet!!! gente que incrível essa lembrança! E até hoje meus quadros favoritos da vida toda são da coleção de water lilies / ninféias de monet. suspiro cada vez que vou ao MET e dedico um tempo na ala de impressionismo.