Julgando o livro pela capa
Ou como fui capturada pelo livro Esboço, de Rachel Cusk pela linda capa
Quando a lista de “melhores livros do século” do New York Times saiu, admito, corri para ver. Adoro uma lista, não importa se é do NYT ou de um amigo. Certa vez, pedi a uma grande amiga leitora, Marília Bonna, me indicar alguns livros. O mestrado engolira todo meu tempo e não sabia mais como retomar minha relação com a literatura. Ela carinhosamente fez uma seleção tão magnífica, que irei compartilhar com vocês no final desse texto.
Em relação ao NYT, rolou uma decepção coletiva, já que a maioria dos títulos era de autores de língua inglesa e ainda não constava a minha descoberta preferida “A mais recôndita memória dos homens”, do Mohamed Mbougar Sarr. Achei esse livro tão fantástico que não consegui escrever nada sobre ele, senti meu repertório muito pobre para dimensionar a grandeza dessa obra. Rodrigo Casarin fez uma resenha tão maravilhosa, que me senti desnecessária.
Conforme passava o olho na lista, selecionei os títulos que me despertaram curiosidade e joguei no google. Nesse percurso, me deparei com “Esboço”, de Rachel Cusk, a história parecia atraente e a capa linda (eu amo conchas) e logo adicionei a lista de desejos.
Grana curta, pois não há dinheiro que dê conta de tudo que quero ler, baixei o livro na famosa biblioteca russa e fui capturada rápido. Gosto quando um livro me sequestra, puxa minha mão e me joga para dentro dele, sobretudo quando eu sequer esperava por isso.
Esboço é a história de uma escritora que viaja a Atenas para dar aulas de escrita criativa. Durante essa viagem, ela se envolve em várias conversas interessantes com as pessoas que encontra, abordando temas como solidão, filhos, casamento, carreira e identidade.
Não é um livro de grandes acontecimentos e reviravoltas, e sim de detalhes, encontros, que dão contorno a tantas coisas que pensamos corriqueiramente, mas que se pulveirizam rapidamente diante de um novo compromisso, uma tarefa. Esboços. Você lê e pensa “nossa, é assim mesmo”.
Só no final você entende o porquê do livro se chamar Esboço. Quem em algum momento da vida não se sentiu um esboço da própria existência? Se entender no mundo não é uma tarefa simples. Mas quando conseguimos dar contorno a quem somos (e assumir), tornar nossas escolhas mais conscientes, basta sentar com nossos demônios e tomar um café, ao invés de se dedicar a uma batalha sem vencedores. Se fraudar o gênio é tornar infeliz a própria vida, fazer dos próprios demônios inimigos é não viver em paz consigo mesmo. Dermelivre dar murro em ponta de faca para ser uma pessoa que não sou. Enfim, naquele momento atordoado e inebriante de terminar um livro, entendi que sair da condição de esboço é um retorno à vida dentro dos nossos parâmetros. Como minhas amigas e eu brincamos: assuma seus b.o! Sustente quem você é.
Abstrações filosóficas a parte, gostei bastante do livro Esboço, de Rachel Cusk, mas certamente colocaria outros no meu pódio.
Voltando para as capas de livros
Tão logo terminei a leitura, enviei o PDF para o grupo de amigas do Substack e comentei que começara a ler “Esboço”, porque achei a capa linda. Papo vai, papo vem, ficou claro que ao menos naquele diminuto grupo de leitoras, as capas também são importantes.
A capa de Rachel Cusk, é assinada pelo designer Rodrigo Corral que segundo o Google é uma figura super reconhecida no mercado. Desbloqueada uma nova obsessão: capas de livro. Quem faz? Como o faz? Como vive? O que come? O que o inspira?
“O perigo de estar lúcida”, de Rosa Montero tem uma capa bonita, esteticamente falando, e que dialoga com o conteúdo da obra. A ilustração tem uma pegada surrealista, evoca o lugar do onírico: há um jogo, uma disputa que não sabemos a priori quem ganha: a loucura, simbolizada pelo dedo que movimenta a peça ou observação lúcida da mulher? Esse dedo tem o tamanho de algo que se impõe. Manipula; chega sem ser chamado e ainda assim mexe no tabuleiro e muda os rumos do jogo.
Voilà como minha imaginação fez a leitura desta capa, que na minha humilde e inútil opinião, é uma obra de arte.
A capa deste livro é de autoria da Luciana Facchini, responsável por outras belíssimas capas de livros. Parabéns, amiga! Já amei o seu trabalho!
Certamente capas bonitas impactam nas vendas, mas também na nossa experiência de leitura ou, ao menos, na minha. O combo de um bom livro, boa tradução e linda capa compõe o todo dessa obra de arte. Já deu pra perceber que a fruição estética exerce um poder sobre mim.
Capas com uma fotografia humana, tipo “A pediatra” e a “A vida mentirosa dos adultos”, me dá uma certa coceira. As imagens tão reais sequestram a minha imaginação e me vejo encurradala, observando a personagem pela imagem que me foi dada e elas nunca entram em sintonia. O estereótipo imposto pela figura determinada de uma pessoa restringe minha liberdade de imaginação e meio que define como eu devo “ler” determinado personagem.
Cada leitor, no esconderijo de sua mente, ao ler um livro elabora cenários e representações próprias, ainda que estejam lendo a mesma obra. E isso é fantástico! Lemos com o nosso próprio repertório imaginativo, logo não precisamos que alguém nos diga como vamos elaborar a história.
Mas sempre pode piorar…
Tantos artistas maravilhosos por aí, e de repente páaaaa, vem uma capa horrorosa que faz a gente perder o tesão, mesmo com o peitoral definido do Leviatã.
Essa foto foi enviada pela Ludmila Primo no papo sobre capas feias
Brincadeiras a parte, claro que não faço a curadoria dos livros que leio pela capa, mas sim, adoro quando elas também são uma obra de arte.
Aproveite e me conte nos comentários a capa mais linda que você já viu! E a mais feia, se quiser.
Os dez livros que a Marília me indicou em 2020
1. "Meio sol amarelo", Chimamanda Gnozi Adichie. Amiga, se você ainda não leu Chimamanda, corre pra ler esse romance, eu tenho certeza que ele vai ser um clássico daqui poucos anos.
2. "As alegrias da maternidade", Buchi Emecheta. Esse é um livro de outra nigeriana, mais antiga que Chimamanda. Fica tranquila que o título é irônico e o livro é uma pequena facada no coração.
3. "Sobre os ossos dos mortos", Olga Tokarczuk. Um dos romances mais diferentes que já li, muitíssimo interessante. É de uma escritora polonesa, vencedora do Nobel de 2018.
4. "Desesterro", Sheyla Smanioto. Esse é um livro de uma brasileira, vencedor do prêmio sesc de literatura de 2015. É tão bonito, literariamente falando, e tão potente.
5. "Enterre seus mortos", Ana Paula Maia. Essa é outra escritora brasileira, vencedora duas vezes seguidas do prêmio São Paulo de Literatura. Ela é muito interessante, tem uma escrita única do Brasil, crua.
6. "Quarenta dias", Maria Valéria Resende. Adoro essa mulher, freira, comunista, escritora. Brasileira também. Esse livro é divertido.
7. "Eu sei porque o pássaro ainda canta na gaiola", Maya Angelou. Esse é um livro de memórias, tristíssimo e bem bonito.
8. "Persépolis", Marjane Satrapi. Nunca imaginei que ia indicar uma graphic novel para alguém. Mas essa é tão linda e tão sensível. ❤
9. "A máquina de fazer espanhóis", Valter Hugo Mãe. Já que gostou do outro, esse também é um livro muito bonito do Mãe. Adoro ele.
10. "Os enamoramentos", Javier Marías. Florzinha, esse livro é lindo lindo. Eu amei. Um dos melhores que li nos últimos anos. Tem que ver se é seu estilo, mas é um livro de amor que não é nada piegas.
O que encontrei de bom por ai…
Ludmila Primo me mostrou as lindas capas da editora Antofágica e o processo criativo de “O Processo”, de Kafka. Achei tão fascinante que já coloquei na minha lista de desejos! Se alguém quiser me presentear, tá aqui o link. Vai que cola, né!
The bear, coqueiros cibernéticos e somos todos críticos na internet, de Larissa Herc. Ótima reflexão sobre como nos tornamos tão chatos com a internet.
Réquiem para um gato arisco, de Pedro Rabello. Daquelas histórias quentinhas que valem a pena ler.
O refúgio criativo, de Gabi Albuquerque. Texto bonito e sensível sobre os momentos de vazio criativo e as possibilidades de criar nossos próprios refúgios.
Acredito que todo mundo já leu, mas eu amei o texto da Fabiane Guimarães: Para quem você escreve?
Passarinho que entrou ontem na minha casa causando um alvoroço. Minha gata querendo caçá-lo e eu protegê-lo. Liguei para o meu primo veterinário que recomendou “liga para os bombeiros e avisa que uma AVE entrou na sua casa” kkkkkkkkkkkkkkk Mas o passarinho foi embora sozinho! 🙏🏾
Ando devagar quase parando nas leituras, mas foi seu título que me fez ter vontade de abrir a news hoje! E vou deixa aqui minha contribuição para a lista: Poeta Chileno, do Alejandro Zambra. A capa é daquelas que fisga a nossa atenção e a história é bem bonita!
100% fã de julgar um livro pela capa hahaha :D Adorei a reflexão Rai e já anotei várias diquinhas de livros!