Minha ceia de ano novo
Cozinhar é um dos meus hobbies preferidos. Um sábado ou domingo perfeito é aquele em que estou em casa com minha filha e meu marido, sem compromisso e posso inventar qualquer prato ou testar as receitas salvas do Instagram. É só escolher uma música na alexa, abrir minha cervejinha e mãos na massa. Puro lazer.
Dia 31 de dezembro passei meu dia na cozinha preparando uma ceia para duas pessoas. Mas não importava, eu queria fazer aquilo e depois me sentar com tranquilidade e apreciar as cores, texturas e os sabores de tudo que cozinhei.
Na realidade, cozinhar é uma atividade que atravessa toda minha família. Ou melhor, as mulheres da minha família - que por sinal, cozinham muito bem. A programação que nos une é, inevitavelmente, um almoço. Geralmente tem angu, que elas preparam com fubá e água. O meu paladar pede mais, então utilizo alho, pimenta calabresa, cominho e o que tiver de tempero. Se sobrar, eu frito uns pedaços depois. Meu rim chora.
Sempre que esbarro com um texto no Substrack sobre comida ou alimentação, já brota logo um sorriso no rosto e a certeza de que vem algo prazeroso. Uma das minhas news preferidas é o Prato Feito, do Mateus Habib. Ele fisgou toda minha atenção falando sobre o coentro e me lembrou como era gostoso o pastel de angu da minha falecida tia Cleuza. Acho incrível a sua capacidade de escrever textos maravilhosos usando como ingrediente principal: comida.
E não posso me esquecer do texto do Christian Von Koenig "A receita para escrever melhor está na cozinha", que com muita delicadeza mostrou os processos semelhantes que envolvem o escrever e o cozinhar. Organizar os ingredientes e as ideias; Apreciar as etapas e respeitar o tempo de preparo; Provar e revisar; Paciência. Qualquer coisa bem feita precisa de um punhado de paciência.
Finalizando a leitura, dei por mim de como sou afobada e faço as coisas com pressa. Quando não tem fermento suficiente eu continuo o preparo com a gramatura que tem e mentalmente digo "axé". Sequer me preocupo com a apresentação (olá, comidas feias!).
Talvez seja por isso que meus bolos solam com frequência. Eu não cozinho como minha tia e não escrevo tão bem como gostaria. Muitas vezes cliquei no botão de publicar mesmo sabendo que a ideia e os argumentos não estavam tão redondos. Acredito que seja a pressa. Mas pressa para quê? Tô me questionando.
A fase vegetariana
Aos vinte anos me tornei vegetariana. Assisti ao documentário "A carne é fraca", chorei bicas e resolvi cortar o consumo de animais da dieta. Me sentia moralmente superior por ser tão resiliente. Sim, eu era resiliente, pois em momento algum minha boca deixou de aguar quando sentia o cheiro de uma rabada com agrião. Mas eu resistia.
Resisti tanto que fiz uma viagem maravilhosa e deixei de provar muitas culinárias pelo fato de não comer carne. Me arrependo, poderia ter aberto uma exceção já que provavelmente não teria a mesma oportunidade. E ainda passei fome num vôo de 13h.
Depois conheci a comida viva (dieta a base de alimentos crus e grãos/sementes germinados) e a seita da comida viva. Apesar de ter tido uma experiência culinária interessante com novas texturas, a imersão que eu participei parecia uma espécie de seita, tinha uns cantos, umas rodas, pessoas brancas performando identidades indígenas, tudo muito tilelê. Eu não fazia parte daquilo, não dava. É impossível uma pessoa da classe trabalhadora, que utiliza o trem no Rio de Janeiro em horário de pico, faz marmita, mora no subúrbio e passa mais de 4h no transporte, viver de grãos germinados.Volta para o vegetarianismo que está ótimo!
Até que eu engravidei. Não consegui controlar a vontade de comer rabada, frango com quiabo, bife com fritas. Eu já estava passando por muitas privações, desconfortos físicos e emocionais, não dava para continuar com meu vegetarianismo.
Jovem hippie orgulhosa do seu feijão azuki germinado (dermelivre, 2024)
Fase Hare Krishna
Passei boa parte da minha vida passeando por religiões diferentes. Achava bonito aquele sentimento oceânico, como disse Freud e queria experimentar também. Apesar de não ter encontrado o que eu procurava e ser uma pessoa sem fé, mas bem resolvida com isso, provei comidas maravilhosas!
No templo Hare Krishna tinha a prasada - o alimento espiritual. Durante o preparo não podíamos provar nada, nem para saber se exageramos no sal ou na pimenta. Então tudo era uma grande surpresa, mas que no final tudo certo. Era fácil ser vegetariana quando eu frequentava o templo. Inclusive, saudades das comidas da minha amiga Radharani: Gulab Jamun, Samosas, Chapatis, Kichari, todos os sabores eram muito especiais.
Eles diziam que se um animal comesse a Prasada, ele nasceria humano na próxima encarnação. E eu dei pro meu gato. Coitado. Imagina trocar a vida de um gato por humano?
Eu e minhas amigas harebol que nunca mais vi
A fase traça
Hoje eu como qualquer coisa. Eu como o que tem. Não gosto de jiló, mas se eu jantar na casa do meu pai é certo ter um jiló boiando na sopa e eu como feliz. Não faço desfeita. Eu não gostava de mocotó, agora aprendi a saborear e minha sogra me manda uma cumbuca quando prepara.
Buchada de bode? Bora! Lingua? Bora! Entupir o feijão de orelha de porco? Maravilha!
Não vou comer carne de vitela, porque é desnecessário. Não quero provar jacaré, tartaruga ou cobra, porque acho afrontoso. Não preciso e nem quero. Então, tem determinados alimentos que não me incomodo em dizer não, mas são poucos e raros.
O que eu acho feio, sinceramente, é o paladar infantil: na criança ou no adulto. Mas pera, vou explicar melhor lá no final.
Comida de botequim
Outra programação que eu amo é sentar em pé sujo e comer as iguarias da casa. Cerveja gelada, um petisco simples, uma brisa, olhar o movimento da rua, ouvir a conversa das pessoas e se tiver um karaokê, por que não? Já mando o 6521, a loba, de Alcione.
Criança com paladar de setealém
Quando minha filha nasceu, eu já comia carne, mas evitava. Deixava para os momentos de sociabilidade e ela acabou sendo um bebê vegetariano. Eu preparava sopa de beterraba com quinoa, bertalha com abóbora, brócolis com baroa, etc. Ela acreditava que bala era uva passa e tâmara. Caminhamos assim por alguns meses.
Depois ela foi ficando seletiva. Só queria arroz com o ovo e o pai achava ok. Eu não. O inferno começou. As refeições, que sempre me deram tanto prazer, cederam para a ansiedade e o stress.
Com um ano, ela pegou um tomate cereja do pé, enfiou na boca e mordeu com seus fortes dentinhos. Aquele líquido de semente deu nervoso e ela cuspiu. Nunca mais comeu tomate.
Aos quase 11 anos, minha filha continua comendo mal. Legumes: batata, brócolis, cenoura, beterraba (sendo que o sorriso é só para a batata, o restante ela come porque eu obrigo). Feijão não gosta. Não gosta de nada. É mais fácil eu listar o que ela come: lasanha, estrogonofe, paleta, macarrão, frango, almôndegas, peixe, camarão, yaksoba e os legumes que citei. E porcarias doces aos milhares.
Kalindi gosta mesmo é de preparar panquecas, besuntar de nutella e vapo!
Além de me entristecer, o paladar dela me desanima. Perdi um pouco o tesão em cozinhar coisas novas, simplesmente, porque teria que comer sozinha. E para mim, cozinhar é um ato de amor para ser oferecido a outras pessoas. Por esse motivo eu nunca preparei um acarajé em casa. Tem pratos que pedem muitas mãos e muitas bocas.
Ainda assim, nos aventuramos em alguns pratos. Há pouco tempo fizemos ravioli e ela gostou. Mas mesmo que ela não goste de determinados alimentos e pratos, eu sigo fazendo, porque cozinhar aos finais de semana me dá prazer e é terapêutico.
Para finalizar, um bacalhau que eu fiz para o Natal em 2017. Purê de batatas, brócolis e bacalhau. Essa foto foi antes de assar.
Das coisas boas que achei por ai…
Feijoada e Mingau. Texto sobre sentimentos, memórias e comidas!
Mulheres relaxadas. Esse texto me pegou demais…Quantas mulheres felizes você conhece?
Com quem está seu autovalor? Aquele fase boa da vida em que jogamos as críticas desimportantes no lixo.
Comida é o meu refúgio total. Nasci e moro em SP atualmente, mas minha família é baiana e morei em algumas cidades por lá quando mais nova. Lembrar do sabor do acarajé, do suco de acerola, do umbu colhido direto do pé é lembrar da vida que eu já vivi. Adorei o texto :)
Amei toda a sinceridade contida neste texto! Fiquei triste por não sermos vizinhas. Não amo cozinhar e confesso que queria sentir esse prazer, mas amo comer e lavar a louça 😅 E fiquei desejosa de saber mais sobre as experiências religiosas... tipo este texto sobre as comidas, mas sobre a relação com a religião!