Tempo, aprendizado e medos inconscientes
Quantos livros tem na sua lista de desejo na Amazon?
Comecei esse texto querendo compartilhar a sensação gostosa que é aprender, conhecer e criar coisas novas. E ser surpreendida por livros, filmes, músicas, hobbies que estavam fora do radar. No processo da escrita cheguei num questionamento muito freudiano e precisarei de mais tempo para elaborar.
Uma grande estupidez é acreditar que sabe tudo. É impressionante que quanto mais nos colocamos em posição de aprendizado, maior é a noção de que muitas outras coisas interessantíssimas existem e te escapam.
Ainda que a vida fosse infinita, seria inviável conhecer e aprender sobre tudo o mais que existe. Observar o mundo só pelo seu ponto de vista não é suficiente para apreendê-lo. Acredito que seja por isso que livros e filmes são tão interessantes. Nos colocamos à disposição para olhar os acontecimentos e as relações sob outra perspectiva que não a nossa.
Esbarrei num texto por aqui sobre literatura russa e dei por mim que nunca li nada. Tenho o Mestre a Margarida, de Mikhail Bulgakov na minha lista há um tempo e até hoje neca de pitibiriba. Mas nem Dostoievski, Raisa? Não. Tolstoi? Também não. E minha mãe me deu esse nome por conta da esposa de Gorbatchov.
Acendeu um alerta de que estou atrasada (mas apagou rápido). Ainda que eu corra para conhecer e aprender sobre tudo o que me interessa: irei falhar, pois certamente descobrirei outras coisas na caminhada e não haverá tempo de ler tudo o que eu gostaria. No dia da minha morte, minha lista de desejos na Amazon ainda estará cheia - já que ela se renova numa velocidade diferente do dinheiro, do tempo e da expectativa de vida de um ser humano.
Metas impossíveis: se eu ganhasse na mega sena, dedicaria meu tempo em aprender. Idiomas, história da arte, literatura, ciência…todos esses campos que me dão muito prazer, mas que cabem tão pouco nas prioridades da existência. Uma época da minha vida estudei sânscrito com o professor Dilip. Por qual propósito? Não tinha, mas havia tempo.
Ano passado fiz uma prova para o concurso da UFRJ, um cargo técnico que envolvia 10 miseráveis questões de raciocínio lógico. Eu, que fugi da matemática como o diabo foge da cruz, precisei dedicar horas de aprendizado em cálculo básico para começar a aprender raciocínio lógico e juros simples e compostos. E consegui acertar sete. Não imaginei que ficaria tão feliz de acertar aquelas contas. <Mas não passei no concurso>.
A realidade é que eu gosto de aprender. Gostaria de ter mais tempo para aprender. E cada vez que eu esbarro em assuntos interessantes eu fico obcecada procurando todas as referências possíveis, ainda que isso não tenha nenhum propósito específico.
Só que martelaram na nossa cabeça infantil que tempo é dinheiro e não deveríamos desperdiçá-los com alguma coisa sem propósito à primeira vista. E a sociedade, de um modo geral, têm muita dificuldade em associar estudo, aprendizado e pesquisa ao trabalho. Os acadêmicos sofrem para explicar ao cidadão médio o que fazem e mesmo quando conseguem, recebem um olhar torto.
A sensação é que estamos o tempo inteiro criando justificativas funcionais e utilitárias. E tudo que escapa dessa lógica capitalista não tem valor.
Habitando Nárnia
Passei uns bons anos afastada da literatura, pois a vida acadêmica sugava todo meu tempo e não tinha forças para ler absolutamente nada. O que pode ser uma explicação razoável (?) para ter conhecido Elena Ferrante só quando saiu o filme A filha perdida, na Netflix. Achei tão perturbador e real a ambiguidade da mãe que fui atrás dos livros e devorei tudo o que ela fez.
Quando fui conversar sobre Ferrante com minha prima, descobri que ela ganhou um exemplar da Amiga Genial ainda em 2015 num amigo oculto na minha casa. E fiquei super Nazaré Tedesco.
Gente, onde estava minha cabeça nessa época? Como eu vivi todos esses anos completamente alheia a literatura? Ah, estava maternando e fazendo uma segunda graduação que emendou num mestrado. Foi isso, eu sei que foi. Mas fico indignada comigo.
Do mesmo modo, descobri essa semana o podcast vinte mil léguas e estou completamente encantada. Para os desavisados, como eu, são episódios refinadíssimos sobre ciência através dos livros. Comecei a primeira temporada de Darwin e a terceira sobre Galileu, que inclusive li uma biografia, da Zahar, quando meu antigo blog tinha parceria com várias editoras e ganhava livros para resenhar. Que tempo gostoso!
Detalhe: esse podcast começou na pandemia e eu descobri semana passada. Gente, onde estava minha cabeça nessa época? Ah, eu estava iniciando o meu segundo casamento, muito ocupada amando, gerenciando as crises de ciúme da minha filha e escrevendo minha dissertação. E claro, tentando não morrer e surtada como todo mundo nesta época.
O perigo de estar lúcida
Comecei a ler Rosa Montero e estou amando o mergulho que ela deu na neurociência e na psicologia para pensar a mente cagada dos artistas/escritores. Todo autor que ela cita e me desperta o interesse, vou pesquisar no google e, inevitavelmente colocando mais um livro na lista de desejo da Amazon. Tal qual o velho do foguete e sua ambição, parece minha lista não ter fim.
Lembrei desse meme
No quesito "quero aprender" sou insaciável. Tem o francês, italiano, espanhol e inglês. Tem o xadrex e muay thai. Esses dias resolvi que vou aprender pintura em tecido para confeccionar panos de prato para uso pessoal. Mas só depois das famigeradas provas de concurso.
No mais, estou me questionando se esse "apressa-te lentamente" para aprender tudo o que é possível, construindo listas de desejos colossais é mesmo fome de aprender ou um medo inconsciente da morte. Inconsciente, porque consciente eu não tenho medo da morte e não é uma questão já que todos partilharemos o mesmo ordinário e inevitável destino.
Ultimamente tenho me colocado muito em dúvida.
Uma recomendação importantíssima
Quando a vaca estava magra e desnutrida, eu comprava ao menos um sabonete Phebo (Limão Sicíliano), porque eu sentia na pele minha dignidade sendo restaurada ao mesmo tempo que seu aroma era um convite a esperança de que aquela fase ruim ia passar. Inclusive, foi nesse período que eu estudei a beça sobre finanças, orçamento e investimento. Passei uma vida blasfemando por ai que pobre não tinha como guardar dinheiro, que eu tinha que comer hoje e não daqui a seis meses, tudo para evitar olhar para a maneira irresponsável que eu lidava com o dinheiro. Mas é isso, consegui aprender alguma coisa e controlar impulsos. Sempre aprendendo.
Agora divirtam-se e leiam esse texto, que sabor!
O que encontrei de bom por ai
Você pode se dar ao luxo de perder um dia ou dois, de Ananda Sueyoshi;
Diários russos, de Julia;
Triste, louca e má, de Virginia Valbuza.
E me conta o que vocês estão lendo de bom! Quem sabe eu não adiciono mais alguns exemplares na minha lista?! rsrsrsrrs
Raísa, gostei demais das suas reflexões. Tens os traços bem firmes do que é ser *polímata*.
Sofremos, às vezes, por desejar aprender/absorver/degustar sempre mais. A maturidade, felizmente, nos assossega o coração e nos livramos da fome insaciável e cumulativa e acumulável... Apuramos o paladar e as ferramentas de percepção, além de que nos importaremos mais em produzir do que em consumir, depois de determinada fase da jornada.
Mais tarde, talvez, a tua lista se torne outra: que poemas ou contos ou ensaios te aguardam na pilha do que tens a escrever?
quanto mais a gente aprende, mais percebe que ainda tem bem mais a aprender. se eu tivesse tempo, me dedicaria aos idiomas. acho incrível como aprender uma língua diferente da nossa abre toda uma outra forma de ver e pensar o mundo.