Qual é a vida possível para uma mulher no Brasil?
Ilustração de Lidia Rodrigues
Essa semana foi osso estar viva e abrir qualquer veículo de comunicação esfregando na nossa cara que já não moramos no Brasil, e sim no EVANGELISTÃO e a nossa vida não vale absolutamente nada.
Peço desculpa pelo palavreado do texto, pois escrevo com muita raiva.
Como mulher e mãe de uma menina de 11 anos, fico muito preocupada com o que restará de país para minha filha viver.
Repito: qual é a vida possível para uma mulher no Brasil? A resposta é a sobrevivência.
Há poucos dias, uma mulher de 27 anos se jogou do quinto andar de um prédio na Bahia para fugir das agressões do marido.
Se jogando de prédios, se arriscando em abortos clandestinos e caseiros, se cobrindo, compartilhando localização com outras pessoas. Nós não temos paz. Até sendo educada corremos o risco de ser mal interpretada. Toda mulher carrega um repertório particular de assédios, desrespeitos e violências. Enquanto escrevo penso na minha filha e nas minhas alunas.
Inclusive no instagram da minha filha, que é fechado e monitorado por mim, aparece às vezes solicitação de amizade de homens adultos. Quem são esses homens? Eu sei, são pedófilos. Os homens são perigosos, mas nós é que somos punidas.
Como se não bastasse viver em uma sociedade que nos quer submissas, caladas, adoecidas e domesticadas, agora a PL 1904/24 equipara o aborto realizado após 22 semanas ao crime de homicídio. É engraçado como esses conservadores são fanáticos por fetos, mas estão pouco se lixando para a juventude. Pouco se lixando que uma criança não pode ser mãe.
Apenas 1,3% das cidades brasileiras têm unidades de referência para serviço de aborto legal. Isso significa que muitas vítimas de violência encontram profundas dificuldades legais em realizar o procedimento que é um DIREITO. Da descoberta da gestação a burocracia para encontrar um hospital, lá se foram 22 semanas. Uma pergunta sincera: eles querem prender menores de idade? Quem majoritariamente iria para cadeia? As mães? Se for para ser presa, eu seria pelo assassinato do estuprador.
Essa PL é uma SANDICE.
É um retrocesso inimaginável orquestrado pela BANCADA EVANGÉLICA: que pune a vítima e acena sorridente para o estuprador. Deveria ser inconstitucional esses religiosos fazerem do país seus púlpitos, fazerem de suas crenças, políticas públicas.
O Estado ainda é laico, ou ao menos deveria ser. Brizola já versava sobre o perigo dos evangélicos se infiltrando na política. O estrago já está feito, ainda que a PL não avance.
Na Globo News, Julia Dualib conversa com Samia Bomfim (PSOL-SP e Cezinha (PSD-SP) e aponta diversas pesquisas em que a sociedade brasileira se manifestou majoritariamente contraria a atual nova lei do aborto, e o infeliz responde:
"A minha pesquisa é mais precisa que a sua com toda certeza absoluta, porque eu estou com deus na vida. A biblía diz que só quem tem o direito de tirar e dar a vida é deus."
Pois, deputado, enfia sua bíblia e seu deus no rabo. Não é possível que saia do nosso bolso o dinheiro que paga essa gente abjeta e pilantra que legisla aos seus próprios interesses. Qual é o sentido de um livro da antiguidade ser parâmetro para embasar políticas públicas em 2024? Nada contra os cristãos, tenho até amigos que são… Mas precisamos trabalhar nossa capacidade de discernir fatos e narrativas mitológicas.
Arthur Lira, para fazer o seu sucessor na presidência Câmara, usa a vida das mulheres como moeda de troca. Um bando de velho branco, retrográdo, safado que para "testar" o Lula e o governo, usa nossa vida. Para piorar, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT CE) diz que isso não é assunto de governo. Mas na hora que precisa do nosso voto, é só sorrisos!
Estamos vivendo em um momento histórico em que políticos não fazem questão de esconder o seu TOTAL DESCOMPROMISSO com as demandas reais da população brasileira. Um pouquinho de TV CÂMARA ou TV SENADO, e eu vejo que minha sala de aula é mais organizada e civilizada. Eles só sabem gritar e se arrastar pela lógica do espetáculo e do engajamento nas redes sociais. Não há decoro, não há negociação, apenas o esgarce total da razoabilidade que não permite nenhum tipo de consenso. .
Já é um absurdo o estado legislar o meu corpo, dizendo que não posso abortar ou fazer laqueadura no momento em que EU julgar necessário. Não basta o risco em que as mulheres se submetem quando precisam recorrer a um aborto na clandestindade, eles querem a cadeia.
O Brasil odeia as mulheres.
O que encontrei de bom por ai…
Dossiê Agência Patrícia Galvão, com estatísticas atualizadas sobre violência contra a mulher;
força pra nós. o que nos resta é tentarmos
apoiar, levantar e cuidar umas das outras.
Como ando afastada das redes, não acompanhei todo esse absurdo. Foi até bom, para minha saúde mental.
Concordo, Rai, que não há mais debate politico. Cada um (e isso inclui a esquerda também) fala sozinho, dando textão, pensando num corte para viralizar no "zap" ou nas mídias ninjas por aí.
Rede Social é horrível, tosca e piora tudo.
Eu acredito (não sei por que, acho que é intuição) que esse PL não passa, mas só o debate dele é desgastante para quem está acompanhando. Tenho a impressão que é a direita e a bancada da bíblia buscando eleitorado, para chegar em outubro e falar "o PL não passou porque somos poucos".
Afffff...
Que tenhamos forças para aguentar o que vem por aí.
Um beijo!